Por Carolina Martins
Um ex-presidente na cadeia demonstra que a Justiça é para todos. Pelo menos esse foi o discurso dos opositores de Lula ao comentarem a ordem de prisão do petista. Mas, na prática, uma classe de cidadãos continua blindada: punir políticos com foro privilegiado ainda é um desafio. Uma proposta para mexer na Constituição e acabar com o foro foi aprovada no plenário do Senado em maio do ano passado. De autoria da bancada tucana, o projeto teve apoio de outros partidos. Paulo Bauer, do PSDB, defende que apenas com o fim desse regime especial os processos serão julgados de forma rápida.
“A Justiça brasileira terá mais celeridade, porque os assuntos daí não serão de competência exclusiva das cortes superiores, mas sim do sistema jurídico do país”, avalia o senador.
O texto estabelece que deputados, senadores, ministros de estado, governadores, comandantes militares, juízes federais e membros do Ministério Público respondam as acusações de crimes comuns na Justiça comum. Isso atingiria quase 50 mil autoridades que hoje têm julgamento especial. Mas, o texto não anda na Câmara dos Deputados. No fim do ano passado, seis meses depois de ficar engavetada, a PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Mas precisa ainda passar por uma comissão especial que foi criada em dezembro do ano passado, mas nunca funcionou porque os partidos não indicam os integrantes.
O MDB e o Partido dos Trabalhadores tem quatro vagas cada um. Todas continuam abertas. O Partido Progressista tem direito a três cadeiras, mas não fez nenhuma indicação. O PR tem duas vagas, que continuam vazias. PRB, Solidariedade, PSOL e PCdoB têm direito a uma indicação cada um, mas nenhuma foi feita. O deputado Efraim Filho, do DEM, foi o relator na CCJ e admite: falta vontade política na Câmara para acabar com o foro.
“Alguns partidos e lideranças não fizeram indicação de seus membros, e isso tem sido uma forma disfarçada de travar o trâmite da matéria. É hora da sociedade e da opinião pública pressionarem esses partidos para que possamos avançar instalando a comissão”, apelou o deputado.
Um abaixo-assinado virtual pedindo o fim do foro foi criado em dezembro de 2017, mas ganhou força esta semana, depois que a prisão de Lula evidenciou a proteção de políticos também acusados de corrupção, mas que se mantém impunes. Já são mais de 2,2 milhões assinaturas. As perspectivas para que a proposta ande no Congresso em ano eleitoral são pequenas. Menores ainda considerando o cenário de intervenção federal no Rio de Janeiro, que impede a votação de qualquer PEC no plenário. Com isso, a discussão deve ficar mesmo no âmbito do Judiciário.
O assunto está no Supremo Tribunal Federal. No começo do ano, a maioria do plenário, sete ministros, se posicionou a favor da redução do foro. Crimes envolvendo parlamentares só irão para o STF se forem relacionados ao mandato. A proposta não é tão ampla como a que tramita no Congresso, já que mantém o foro de integrantes do Executivo e do Judiciário, mas já remeteria cerca de 90% dos casos de deputados e senadores para a primeira instância. O ministro Dias Toffoli pediu vista e devolveu o processo em março. Agora, depende da presidente Cármen Lúcia colocar o assunto na pauta.
Enquanto isso, a classe política segue ganhando tempo. O deputado Paulo Maluf, por exemplo, foi condenado por lavar dinheiro desviado da prefeitura de São Paulo entre 1993 e 1996. Protegido pelo foro, o caso ficou no Supremo e a condenação saiu no ano passado – foram mais de 20 anos entre o crime e o julgamento final. Hoje, ele cumpre prisão domiciliar por motivos de saúde. Em fevereiro, a acusação de desvio de recursos públicos contra o senador Romero Jucá do MDB prescreveu após 14 anos tramitando no STF, sem a conclusão da fase de coleta de provas. Na Lava-jato, ninguém no STF foi condenado até agora.
FONTE: CBN